Em tempos de hiperconectividade e uso intenso de dispositivos eletrônicos, o debate sobre a restrição do uso de celulares nas escolas brasileiras tem ganhado espaço e relevância. Uma pesquisa recente da consultoria Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados, com sede em Brasília, mostra que 86% dos brasileiros apoiam algum tipo de limitação quanto ao uso desses aparelhos nas instituições de ensino. Esse dado se desdobra em 54% da população defendendo a proibição total dos celulares, enquanto 32% acreditam que o uso deve ser permitido apenas em atividades pedagógicas, com autorização dos professores. Apenas 14% dos entrevistados são contrários a qualquer restrição.
A pesquisa, realizada com 2.010 cidadãos em todas as 27 unidades da federação entre os dias 22 e 27 de outubro de 2024, apresenta uma visão abrangente sobre o que pensa a sociedade brasileira em relação ao uso de celulares em sala de aula. Com margem de erro de 2 pontos percentuais e intervalo de confiança de 95%, o levantamento evidencia que o apoio à proibição é ainda mais forte entre as faixas etárias mais velhas e entre pessoas de renda mais alta. Por exemplo, 67% dos brasileiros que ganham acima de cinco salários mínimos são a favor da proibição total dos aparelhos, contra 54% na média geral.
Entre os jovens de 16 a 24 anos, a adesão à ideia de alguma forma de restrição também é significativa: 89% apoiam, em algum nível, a proibição, embora a proibição total tenha menor aceitação nessa faixa (46%) comparada à média geral. A possibilidade de uso parcial dos celulares, autorizada para atividades pedagógicas, tem maior apelo entre os mais jovens, com 43% favoráveis a essa solução. Tais dados revelam uma preocupação compartilhada pela sociedade e reforçam a necessidade de práticas que promovam o uso consciente e equilibrado da tecnologia.
Das telas para o olho no olho
A questão do uso de celulares em escolas não é apenas uma preocupação local. É um reflexo de um debate global sobre como equilibrar o acesso às tecnologias com a manutenção da atenção, do foco e das interações humanas. De acordo com especialistas, enquanto os dispositivos oferecem inegáveis benefícios pedagógicos, eles também podem trazer desafios, como a distração excessiva e a falta de interação social genuína.
Joice Leite, diretora de Educação Digital do Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo e Valinhos, defende uma abordagem equilibrada para a questão: “A tecnologia é uma ferramenta poderosa que, quando bem utilizada, pode enriquecer a aprendizagem e ampliar horizontes. No entanto, precisamos ensinar as crianças e os jovens a fazerem uso consciente dessas ferramentas, sabendo quando é hora de estar on-line e quando é hora de se desconectar e aproveitar a presença física”.
Em meio a esse cenário desafiador, o Porto Seguro protagoniza uma iniciativa inovadora, chamada de Porto Disconnect. Criado em 2019, o projeto foi desenvolvido para incentivar os alunos a se desconectarem dos dispositivos eletrônicos durante os intervalos, participando de atividades recreativas, culturais e esportivas que promovem o bem-estar e a interação presencial.
A diretora institucional educacional do Colégio, Meire Nocito, enfatiza a importância dessa desconexão intencional: “O Porto Disconnect nasceu da necessidade de oferecer aos nossos alunos uma alternativa ao uso constante de dispositivos eletrônicos. Queremos que eles aproveitem os intervalos para interagir com os colegas, fortalecendo a empatia, a amabilidade e a convivência saudável”.
Em 2024, as ações do projeto passaram a ser realizadas com uma frequência ainda maior, incluindo atividades semanais. Os alunos participam de jogos, oficinas de arte, práticas esportivas e momentos de convivência que estimulam a interação e a formação de vínculos duradouros. Uma pesquisa realizada pelo próprio Colégio com estudantes do Ensino Fundamental II mostrou que 72,5% dos alunos já participam dos intervalos off-line, o que indica a importância desse momento para a construção de relações interpessoais.
“Essas atividades não são apenas momentos de lazer; são oportunidades para que os alunos desenvolvam competências socioemocionais essenciais para a vida, como a empatia, a colaboração e o trabalho em equipe”, afirma Nocito. “A iniciativa reflete nosso compromisso em oferecer um ambiente escolar que prepare os estudantes para os desafios da vida moderna, fortalecendo sua capacidade de construir relacionamentos saudáveis e de se adaptar a diferentes contextos sociais”, completa.
Proibir ou orientar o uso?
O desafio para as instituições educacionais agora é criar soluções que abordam as preocupações levantadas pela pesquisa da Nexus e pelos debates no Congresso sobre a regulamentação do uso de celulares nas escolas. A proposta da Comissão de Educação da Câmara de proibir o uso para crianças até 10 anos e liberar para fins pedagógicos a partir dos 11 anos é um dos caminhos discutidos para estabelecer um equilíbrio.
Marcelo Tokarski, CEO da Nexus, observa que o alto índice de apoio às restrições revela uma preocupação coletiva com a preservação do processo de aprendizagem. “Há uma clara percepção de que algo deve ser feito para evitar o uso excessivo de celulares nas escolas. A aprovação da proibição total ou parcial é um reflexo da busca por ambientes de aprendizagem mais focados e menos dispersivos”, comenta.
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