/Quando o ideal pesa: escolhendo o possível no fim de ano

Quando o ideal pesa: escolhendo o possível no fim de ano

Artigo escrito pela psicóloga Dra. Angélica Berres que utiliza a psicanálise como principal abordagem, oferece insights sobre como evitar e gerenciar a ansiedade no dia a dia. Além de atender na sua clínica particular, a Doutora também trabalha com perícias judiciais nas Varas da Infância, Juventude e Família e leciona disciplina de Psicologia Jurídica no curso de Direito da UNESPAR.

O fim de ano costuma ser uma época peculiar no consultório. Novembro e dezembro trazem suas demandas próprias em nosso imaginário, costumam comprimir prazos, quase como se exigissem encontros e balanços na mesma página do calendário. A sensação de que “vivemos dois meses em cinco dias” não nasce apenas da agenda; ela brota, sobretudo, de ideais que exigem demais de nós: a entrega impecável, a convivência sem ruídos, o fechamento total de pendências. Na clínica, observo como essa exigência interna — a voz que manda “dar conta de tudo” — empurra muitos para um circuito de exaustão: tenta-se alcançar o ideal, falha-se (porque ele é irreal), surge a culpa, redobra-se o esforço, e o corpo responde com insônia, irritabilidade, lapsos de memória, ansiedade. O trabalho analítico convida a localizar que medida é possível para cada sujeito. Não se trata de silenciar sintomas por alguns dias, e sim de criar um tempo de fala e escuta em que a repetição se mostre e, aos poucos, perca força.

Freud mostrou que experiências ganham novos sentidos quando revisitadas noutro tempo: o depois reescreve o antes. Por isso tantos “dezembros” parecem repetir o mesmo enredo. Lacan acrescenta a ideia de um tempo lógico do trabalho psíquico: há um instante de ver, um tempo para compreender e um momento de concluir. Em termos simples: pausar para enxergar o que está em jogo, deixar a compreensão amadurecer e, então, decidir o que realmente cabe agora — e o que terá de aguardar. Essa pausa, que a análise e a terapia sustentam quando tudo fora pede pressa, devolve autoria à pessoa. O processo da psicanálise raramente é imediato; mas, sim, sólido: menos autocrítica punitiva, mais responsabilidade possível, mais capacidade de escolher sem se violentar.

Vale lembrar que, seja agora ou em outra época do ano, o cuidado começa pela medida. Em vez de nos propormos a fazer listas intermináveis, vale eleger poucas prioridades que traduzam o que importa neste mês — uma frente pessoal, uma familiar e uma de trabalho — e aceitar que parte da vida seguirá em curso quando o ano virar. Planejar por energia, e não só por horário, ajuda: tarefas que pedem concentração cabem melhor nos períodos de maior disposição, com intervalos para respirar entre compromissos. Cuidar do básico — sono regular, alimentação simples, movimento diário — não é detalhe: reduz aquele aperto por dentro e devolve nitidez às escolhas. Dizer “não” com gentileza protege vínculos e evita promessas inviáveis. E pequenos gestos de encerramento — escrever o que foi possível, o que não coube e o que segue em projeto; agradecer parcerias; nomear perdas — costumam acalmar o diálogo interno, que, no fim do ano, tende a ficar mais severa consigo.

Esses gestos não substituem o acompanhamento quando ele se mostra necessário; ao contrário, ganham sustentação quando atravessados em análise. O espaço clínico suspende a urgência do resultado imediato e permite reconhecer a forma como cada um se organiza diante de pressões e ideais. É comum descobrir que o que parecia incapacidade era, na verdade, excesso de exigência. A partir desse reconhecimento, escolhas que antes pareciam proibidas — adiar um projeto, redistribuir tarefas, renegociar expectativas — tornam-se possíveis, e o fim do ano deixa de ser um teste de resistência para se transformar em um momento de decisão.

Há sinais, entretanto, que pedem atenção imediata: insônia persistente, crises de ansiedade que não cedem, ideias de autoagressão ou de que “nada faz sentido”. Nesses casos, é fundamental buscar rapidamente a rede de saúde da sua cidade. No Brasil, o CVV — Centro de Valorização da Vida atende gratuitamente 24 horas por dia pelo telefone 188 e por canais online.

Fechar o ano com bem-estar não é concluir tudo. É escolher o que merece presença inteira agora, acolher o que não coube e sustentar, com cuidado, o que seguirá em curso no próximo ciclo. Quando essa escolha ganha forma, o calendário desacelera por dentro: a rotina encontra um ritmo possível e o ano termina não por exaustão, mas por decisão.

Psicóloga Angélica Berres
Atende na Rua Benjamin Constant, 587, sala 204 – Business Gold – Centro de União da Vitória – PR
Horário de atendimento: das 9h às 19h
Telefone/WhatsApp: (42) 98403-6872
Rede Social: @psicologaangelicaberres